O papel do ácido graxo Ômega-3 DHA no ciclo de vida humano

Sarah Carlson e colaboradores publicaram no Journal of Parenteral and Enteral Nutrition em 2013 (JPEN 2013; 37: 15-22) uma interessante revisão sobre os benefícios e necessidades de ácidos graxos da família ω-3 durante todo o ciclo da vida humana, do período fetal à velhice.
Os autores nos alertam de que historicamente a humanidade consumiu dieta rica em fontes de gordura ω-3, incluindo peixes, sementes e castanhas. No entanto, desde a revolução industrial, a humanidade passou a ingerir uma enorme quantidade de alimentos processados ricos em gorduras ω-6 provenientes dos óleos vegetais. Mais de 70% dos alimentos consumidos no Ocidente nos dias atuais raramente ou nunca foram ingeridos por nossos ancestrais caçadores-coletores. O resultado desta mudança foi uma alteração dramática na proporção de gorduras ω-6 e ω-3 consumidas na dieta ocidental típica. Anteriormente a relação ω-6:ω-3 era de cerca de 1:1, mas atualmente está estimada em 15:1 ou 20:1. Estas mudanças dietéticas ocorreram rapidamente nos últimos 100 anos, ou seja, nossos organismos, adaptados a um tipo de dieta durante milhares de anos, estão sendo submetidos bruscamente a uma nova realidade alimentar. As implicações destas mudanças ainda não são totalmente compreendidas, mas tem sido sugerido que doenças e estados inflamatórios possam estar associados ao desequilíbrio de ω-6 e ω-3.
Os ácidos graxos linoleico (LA, ω-6) e α-linolênico (ALA, ω-3) são reconhecidos como ácidos graxos essenciais, uma vez que devem ser consumidos na dieta e não podem ser sintetizados a partir de outros precursores
metabólicos. No organismo o LA (com 18 carbonos e duas duplas ligações, sendo a primeira no carbono 6, por isso ω-6), por meio de uma série de dessaturações e alongamentos, é metabolizado para o ácido araquidônico (AA, com 20 carbonos e 4 duplas ligações). O AA, na presença de estímulos fisiológicos tais como fatores de crescimento e hormônios, dá origem a prostaglandinas e leucotrienos pró-inflamatórios, que em última análise vão recrutar neutrófilos e regular a agregação de plaquetas e tono vascular. Por outro lado o ALA (com 18 carbonos e duas duplas ligações, sendo a primeira no carbono 3, por isso ω-3) usa as mesmas enzimas de dessaturação e alongamento, num processo competitivo, para dar origem aos seus produtos, o ácido eicosapentaenoico (EPA, com 20 carbonos e 5 duplas ligações) e o ácido docosa-hexaenoico (DHA, com 22 carbonos e 6 duplas ligações). O DHA e o EPA dão origem a uma série de moléculas que desempenham um papel fundamental no sentido de facilitar a resolução ativa da inflamação. O desbalanço de ω-6 e ω-3 alimentar levaria ao desequilíbrio das moléculas inflamatórias e anti-inflamatórias, que poderiam nos afetar durante todo o ciclo da vida.
Os ácidos graxos essenciais necessários para o crescimento fetal devem ser transferidos para o feto por via placentária. Interessante que o transporte placentário privilegia a transferência de ω-3 DHA. em comparação com os outros ácidos graxos (ω-3 DHA > ω-6 AA ω-6 > ω-3 ALA > ω-6 LA), sugerindo a importância do DHA no desenvolvimento do feto. O feto é capaz de formar o DHA a partir de seu precursor ALA, utilizando-se do processo de dessaturação-alongamento. No entanto as enzimas necessárias para realizar este processo estão presentes em níveis baixos no fígado fetal durante a gestação. Nesta situação a transferência de DHA pré-formado pela mãe é muito mais eficiente no aporte de DHA para o desenvolvimento do cérebro e retina que a transferência de ALA. Curiosamente, não há dados que sugerem desafio fisiológico semelhante à produção de AA a partir do seu precursor LA. Isto apoia a importância do próprio DHA, e não apenas de seu precursor ALA, na dieta de mulheres grávidas.
Depois do nascimento, tanto os níveis plasmáticos de DHA como os de AA entram em declínio. O neonato deve obter estes ácidos graxos da dieta. O leite materno possui os ácidos graxos essenciais, porém em quantidade dependente da dieta materna. A suplementação dietética de DHA durante a lactação aumenta o nível de DHA do leite. A consequência em longo prazo da suplementação materna pós-parto de DHA para a saúde neonatal permanece ignorada.
Existe pouca informação na literatura sobre a relação entre o consumo de ácidos graxos e seus efeitos na saúde de crianças maiores de 2 anos. No entanto é reconhecido que, para o crescimento e o desenvolvimento cognitivo normal na infância, é necessária uma dieta adequada e equilibrada no fornecimento de AA e DHA. Além da contribuição na progressão do desenvolvimento cognitivo, os ω-3 podem estar envolvidos na programação metabólica da remodelação óssea e adipogênese. Em adultos e idosos a baixa ingestão de ω-3 tem sido associada a doenças cardiovasculares, inflamatórias, autoimunes, neurológicas e psiquiátricas.
Referência
Carlson S, Fallon EM, Kalish BT, Gura KM, Puder M. The role of the ω-3 fatty acid DHA in the human life cycle. JPEN 2013; 37:15-22. Disponível em: http://jpen.sagepub.com/content/37/1/15. Acesso em: maio de 2013
Veja mais detalhes em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23192455
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