Dengue: Novos conceitos, desafios permanentes

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Dengue: Novos conceitos, desafios permanentes (publications)

Dr. Robério Dias LeiteSituação epidemiológica atual

Em 2015 no Brasil, somente até a 9ª semana epidemiológica (01 – 07/03/15), foram registrados 224.101 casos de Dengue. A região Sudeste teve  o  maior  número  de  casos  notificados  (145.020  casos; 64,7%). Houve incremento na incidência em todas as regiões do país, com o Centro-Oeste e o Sudeste apresentando as maiores incidências: 224,2 e 170,4 casos/100 mil hab., respectivamente. Entre os estados, destacam-se o Acre (695,4 casos/100 mil hab.), Goiás (401,0 casos/100 mil hab.) e São Paulo (281,0 casos

/100 mil hab.). Entre os municípios, destacam-se Trabiju/SP, com impressionantes 14.242,4 casos/100 mil hab. e Catanduva/SP, com 6.953,1 casos/100 mil hab. Foram confirmados 102 casos de dengue grave e 913 casos de dengue com sinais de alarme. A região com maior número de registros de casos graves e com sinais de alarme é a região Sudeste (75 graves; 745 com sinais de alarme). Houve também a confirmação de 52 óbitos, o que representa uma redução 32% no país em comparação com o mesmo período de 2014. A tendência de redução nos óbitos foi observada em todas as regiões, com exceção da região Sudeste, sobretudo devido aos maiores registros no estado de São Paulo, onde houve um aumento de nove para 32 casos Das 382 amostras positivas enviadas para análise, as proporções dos sorotipos virais identificados nesse ano de 2015 até março foram: DENV1 (87,7%), seguido de DENV4 (11,0%) e DENV2 (1,3%) 1.

Um dado epidemiológico novo é a introdução da Febre Chikungunya no Brasil que, além de compartilhar o mesmo mosquito vetor, em muitos aspectos clínicos se assemelha à Dengue. Em 2014 foram  confirmados 2773 casos autóctones e até a 9ª  semana epidemiológica de 2015  houve a confirmação de 1049 casos. Há registro de casos autóctones nos estados da Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima e Amapá.

Adicionalmente, a descoberta em outubro de 2013 de um quinto sorotipo de vírus  da  Dengue  (DENV-5)  pode  representar  mais  um obstáculo para o enfrentamento global dessa endemia. Este novo sorotipo segue o ciclo silvestre, ao contrário dos outros quatro sorotipos que seguem o ciclo humano. O surgimento do novo sorotipo poderia ter como possíveis explicações: recombinação genética, seleção natural e gargalos genéticos2. Felizmente, não há evidência de circulação dessa nova variante viral no Brasil. Outro desafio importante é a rápida expansão global do segundo mosquito vetor da Dengue, o Aedes albopictus3.

Histórico da nova classificação da Dengue

A antiga classificação de Dengue, adotada em 1997 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), começou a ser desenvolvida a partir de 1975 com base num consenso de especialistas a partir dos estudos sobre crianças tailandesas desenvolvidos nas décadas de 1950 e 1960, com modificações em 1986 e 1997. Nela foram estabelecidos os conceitos de dengue (D), febre hemorrágica da dengue (FHD) síndrome do choque da dengue (SCD). Na última modificação em 1997, quatro graus (1, 2, 3 e 4) de FHD foram definidos: FHD 1 e 2 correspondendo a FHD e FHD 3 e 4 correspondendo a SCD 4, 5. Ao longo do tempo essa antiga classificação passou a ser alvo de críticas, tais como: 1) D, FHD e SCD são conceitos pouco relacionados com o espectro de apresentações clínicas que determinam a gravidade da doença; 2) Desvia a atenção dos clínicos de priorizarem a identificação de sinais clínicos de gravidade; 3) Dificuldade de utilização (testes necessários muitas vezes não disponíveis, difícil para aplicar); 4) Pouca utilidade para triagem de pacientes durante surtos; 5) Imprecisão das estatísticas globais em função das dificuldades encontradas pelos clínicos no processo de notificação de casos6.

Assim, em 2009, a OMS lançou novas diretrizes para Dengue que incorporam a nova classificação de casos de Dengue adotada pela OMS em 2009, na qual os pacientes são divididos em duas categorias: Dengue e Dengue Grave. Além disso, foram definidos alguns Sinais de Alarme para ajudar os clínicos na triagem de pacientes com manifestações clínicas indicativas de maior necessidade de monitoramento da evolução e/ou hospitalização (Figura 1) 7.

A partir de janeiro de 2014 o Brasil passou a adotar oficialmente a nova classificação de caso de dengue revisada da  Organização  Mundial de Saúde. Portanto, passaram a ser classificados nas seguintes categorias: Dengue, Dengue com Sinais de Alarme e Dengue Grave.

A nova classificação da Dengue no Brasil (detalhamento)


1. Caso Suspeito de Dengue

  • Pessoa que viva ou tenha viajado nos últimos 14 dias para área onde esteja ocorrendo transmissão de dengue ou tenha a presença de Aedes aegypti, que apresenta febre, usualmente entre dois e sete dias, e apresente duas ou mais das seguintes manifestações:

     

  • Náusea, vômitos;
  • Exantema;
  • Mialgias, artralgia;
  • Cefaleia, dor retroorbital;
  • Petéquias ou prova do laço positiva;
  • Leucopenia

 

CRIANÇAS: Considerar caso suspeito toda criança com quadro febril agudo, usualmente entre dois a sete dias, e sem foco de infecção aparente, proveniente ou residente em área com transmissão de dengue.

2. Caso suspeito de Dengue com Sinais de Alarme

  • É todo caso de dengue que, no período de defervescência da febre, apresenta um ou mais dos seguintes sinais de alarme:
  • Dor abdominal intensa e contínua, ou dor a palpação do abdome;
  • Vômitos persistentes;
  • Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, pericárdico);
  • Sangramento de mucosas;
  • Letargia ou irritabilidade;
  • Hipotensão postural (lipotímia);
  • Hepatomegalia maior do que 2 cm;
  • Aumento progressivo do hematócrito

 

3. Caso suspeito de Dengue Grave

  • É todo caso de dengue que apresenta um ou mais das seguintes condições:
  • Choque devido ao extravasamento intenso de plasma evidenciado por taquicardia, extremidades frias e tempo de  enchimento capilar  igual ou maior a três segundos, pulso débil ou indetectável, pressão diferencial convergente ≤ 20 mmHg; hipotensão arterial em fase tardia, acumulação de líquidos com insuficiência respiratória.
  • Sangramento grave, segundo a avaliação do médico (exemplos: hematêmese, melena, metrorragia volumosa, sangramento do sistema nervoso central);
  • Comprometimento grave de órgãos tais como: dano hepático importante (AST ou ALT > 1000), sistema nervoso central (alteração da consciência), coração (miocardite) ou outros órgãos.

Classificação de risco do paciente com suspeita de Dengue

O Ministério da Saúde do Brasil propôs uma Classificação de Risco para orientar a condução dos casos  suspeitos  de  Dengue.  Essa  classificação está em consonância com a nova Classificação da Dengue da OMS de 2009, pois também prioriza a triagem de pacientes com maior risco de complicação. Feita a suspeita, os pacientes devem ser classificados nos grupos de risco A, B, C ou D. A identificação da presença de sinais de  alarme (grupo C) ou choque  (grupo D),  ou a  ausência desses  sinais  (grupos  A  ou  B)  orientaria a  classificação inicial.  O grupo de risco B incluiria os pacientes com hemorragia cutânea espontânea ou induzida (prova do laço) ou que apresentem condição clínica especial, comorbidade ou risco social. Já o grupo de risco A não apresentaria nenhuma dessas condições. É importante lembrar que a dengue é uma doença dinâmica e o paciente pode evoluir de um estágio a outro rapidamente. Sendo assim, torna-se  necessária  a  revisão da  história  clínica, acompanhada de exame físico completo a cada reavaliação do paciente. O manejo adequado dos pacientes depende do reconhecimento precoce dos sinais de alarme, do contínuo acompanhamento, do reestadiamento dos casos (processo dinâmico e contínuo) e da pronta reposição volêmica (Figura 2) 9, 10.

Referências Bibliográficas

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de dengue e febre de chikungunya até a Semana Epidemiológica 9. Brasília; 2015. p. 7. Disponível em http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/marco/13/Boletim-Dengue-SE09-.final.pdf.
  2. Mustafa MS, Rasotgi V, Jain S, Gupta V. Discovery of fifth serotype of dengue virus (DENV-5): A new public health dilemma in dengue control. Med J Armed Forces India. 2015; 71(1): 67-70.
  3. Lambrechts L, Scott TW, Gubler DJ. Consequences of the expanding global distribution of Aedes albopictus for dengue virus transmission. PLoS Negl Trop Dis. 2010; 4(5): e646.
  4. Bandyopadhyay S, Lum LC, Kroeger A. Classifying dengue: a review of the difficulties in using the WHO case classification for dengue haemorrhagic fever. Trop Med Int Health. 2006; 11(8): 1238-55.
  5. WHO. World Health Organization. Dengue Haemorrhagic Fever: Diagnosis, Treatment, Prevention and Control. 2nd ed. Geneva; 1997. p. 84. Disponível em http://whqlibdoc.who.int/publications/1997/9241545003_eng.pdf.
  6. Horstick O, Jaenisch T, Martinez E, Kroeger A, See LL, Farrar J, et al. Comparing the usefulness of the 1997 and 2009 WHO dengue case classification: a systematic literature review. Am J Trop Med Hyg. 2014; 91(3): 621-34.
  7. WHO. World Health Organization. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention and control -- New edition. Geneva; 2009. p. 147. Disponível em http://www.who.int/tdr/publications/documents/dengue-diagnosis.pdf.
  8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Assunto: Nova classificação de caso de dengue – Organização Mundial da Saúde. Brasília; 2014. p. 6. Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/Download/Nova_classificacao_de_caso_de_dengue_OMS.pdf.
  9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue : diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Diretoria Técnica de Gestão. 4 ed. Brasília; 2013. p. 80. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/marco/26/dengue-diagnostico-manejo-clinico-adulto-3.pdf.
  10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue: Classificação de risco e manejo do paciente. Brasília; 2014. p. 1. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/marco/21/fluxo-dengue-finalissimo2-.pdf.

 


Figura 1 – Nova classificação de casos de dengue e níveis de gravidade

Dr. Robério Dias Leite - 1

Adaptado  de  WHO. World Health Organization. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention and control New edition. Geneva; 2009. p. 147. Disponível em http://www.who.int/tdr/publications/documents/dengue-diagnosis.pdf.

 

Figura 2 – Classificação de risco e manejo do paciente com Dengue

Dr. Robério Dias Leite - 2

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue: Classificação de risco e manejo do paciente. Brasília; 2014. p. 1. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/marco/21/fluxo-dengue-finalissimo2-.pdf