Colestase Neonatal - Diagnóstico Diferencial

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Colestase Neonatal - Diagnóstico Diferencial (publications)

COLESTASE NEONATAL – DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A colestase (do grego cholé = bile e stasis = parada) é definida como redução ou ausência do fluxo biliar para o duodeno por alterações anatômicas e/ou funcionais. Em um primeiro momento, a apresentação é de um recém-nascido ou lactente ictérico e algumas alterações podem indicar que essa icterícia é colestática como a presença de colúria, hipocolia ou acolia fecal e hepatomegalia. Contudo, essas alterações podem não ser adequadamente investigadas e, por isso, a recomendação oficial da Sociedade Norte Americana de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição é de que qualquer recém-nascido que apresente icterícia com 2 semanas de vida seja avaliado quanto à presença de colestase por meio da mensuração do nível sérico das bilirrubinas total e direta. Se a alimentação do recém-nascido é exclusivamente de leite materno e não apresenta colúria ou fezes claras e o exame físico é normal, esse exame laboratorial pode ser adiado por mais uma semana (possibilidade de ser icterícia pelo leite materno). Contudo, se a icterícia persistir, há necessidade de mensuração das bilirrubinas. O diagnóstico laboratorial de colestase é efetuado da seguinte forma:

  • Quando a bilirrubina total é menor que 5mg/dL, denomina-se colestase se a bilirrubina direta for maior que 1mg/dL.
  • Quando a bilirrubina total é maior que 5mg/dL, denomina-se colestase se a bilirrubina direta for maior que 20% da bilirrubina total.

A incidência da colestase neonatal varia de 1:1.500 a 1:9.000 nascidos vivos e é classificada, do ponto de vista anatômico, em colestase

intra-hepática (CIH) e colestase extra-hepática (CEH). A CIH representa aproximadamente 70% de todas as causas de colestase neonatal e os principais grupos de doenças envolvidas são: infecção congênita, doenças metabólicas, doenças endocrinológicas, hipoplasia das vias biliares intra-hepática, tóxico-medicamentoso, transinfecciosa, genético-cromossômica e idiopática. A CEH representa aproximadamente 30% de todas as causas de colestase neonatal e a principal doença envolvida é a atresia biliar (AB).

Como é um grupo heterogêneo de doenças, com a mesma forma de apresentação inicial, o diagnóstico diferencial é difícil devendo ser conduzido por um pediatra em conjunto com um gastroenterologista pediátrico. É importante saber que as principais causas de colestase são a hepatite neonatal e a atresia biliar, representando quase 70% de todas as etiologias. A abordagem inicial deve ser relacionada com a identificação do diagnóstico anatômico. Alagille tem valorizado quatro itens sugestivos de AB: 1. peso de nascimento normal; 2. início da acolia precoce (média de 16 dias); 3. persistência da acolia; 4. aumento da consistência do fígado. É importante esclarecer que esses itens são empregados para orientação no diagnóstico diferencial a partir de diferenças estatísticas entre os grupos de CIH e CEH obtendo uma acurácia de 83%. Além disso, outros dados de história e exame físico podem orientar na identificação da etiologia: 1. Problemas semelhantes com pais ou entre irmãos; 2.

Consanguinidade; 3. Doença infecciosa durante a gravidez; 4. Antecedente de septicemia no período neonatal e(ou) emprego de nutrição parenteral prolongada e(ou) uso de antibióticos hepatotóxicos e(ou) ressecção intestinal; 5. vômitos persistentes; 6. dextrocardia ou situs inversus totalis; 7. sopro cardíaco – se sopro sistólico no foco pulmonar sugestão de estenose pulmonar que pode estar associado com a síndrome de Alagille. 8. microcefalia, hidrocefalia: infecções congênitas; 9. Osteocondrite, periostite: sífilis congênita. 10. Hipodesenvolvimento de genitália e anormalidade facial da linha média com fissura palatina ou hipoplasia do nervo optico: hipopituitarismo. 11. História de íleo meconial: fibrose cística.

Em Taiwan, desde 2004, foi implantado um programa nacional de triagem para AB na caderneta de saúde infantil com a inclusão da escala colorimétrica fecal e que apresentou resultado favorável porque permitiu a identificação precoce dos casos de AB. Da mesma forma, Gu et al. (2015) referem a experiência japonesa com essa forma de screening durante um período de 19 anos e concluem que houve êxito pois a idade da cirurgia de Kasai foi mais precoce (média de 59,7 dias) e a taxa de sobrevida com fígado nativo foi aumentada.

Os exames de análise bioquímica não apresentam boa acurácia no diagnóstico diferencial e, por isso, há necessidade de realização de exames subsidiários específicos: ultrassonografia abdominal, biópsia hepática percutânea, cintilografia hepatobiliar, colangiopancreatografia endoscópica retrógrada, colangiorressonância e tubagem duodenal. É recomendado que o paciente seja submetido a um ou dois exames que possuam boa acurácia e que nos serviços esteja disponível e seja realizado com rapidez. No serviço de hepatologia pediátrica do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, inicialmente, damos prioridade em estabelecer o diagnóstico diferencial entre CIH e CEH. Essa fase deve durar, no máximo, 3 dias (Algoritmo – figura 1). Em alguns serviços, a cintilografia hepatobiliar tem sido empregada no lugar da ultrassonografia abdominal. Se a avaliação clínica inicial e os exames de ultrassom e biópsia hepática sugerirem colestase extra-hepática, mais especificamente atresia biliar, pondera-se a realização do procedimento de Kasai.Os resultados da cirurgia dependerão dos seguintes fatores: tipo de atresia, idade em que a criança é submetida ao procedimento (idealmente antes de 60 dias, mas nos casos de atresia embriônica a idade deve ser mais precoce) e experiência do cirurgião. Se o diagnóstico final for de colestase intra-hepática, deve-se proceder a uma sequência de etapas para estabelecer o diagnóstico etiológico.

Conclusões:

  • Toda criança ictérica com 2 semanas de vida deve ser avaliada para o diagnóstico de colestase neonatal (fazer dosagem de bilirrubina total e frações).
  • A investigação diagnóstica de colestase neonatal envolve diferentes etapas com necessidade de exames complexos. Por isso, deve ser realizada em serviço médico de referência.
  • A definição do diagnóstico anatômico deve ocorrer em 3 a 5 dias por meio de exames específicos de maior disponibilidade no serviço.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Moyer V, Freese DK, Whitington PF, Olson AD, Brewer F, Colletti RB, Heyman MB; North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. Guideline for the evaluation of cholestatic jaundice in infants: recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2004; 39(2):115-28.
  2. Carvalho E, Santos JL, Silveira TR, Kieling CO, Silva LR, Porta G, Miura IK, De Tommaso AMA, Brandão MAB, Ferreira AR, Macedo JRD, Almeida Neto JT.

  3. Atresia biliar: a experiência brasileira. Jornal de Pediatria 2010; 86:473-9.

  4. Feldman AG, Mack CL. Biliary atresia: Clinical Lessons Learned. J Ped atr Gastroenterol Nutr 2015; 61(2):167-75.